A “gente” somos banais
Durante a cobertura das manifestações pelo Brasil afora, mês passado, os apresentadores e repórteres de televisão (imagino que nas rádios também) usaram e abusaram do substantivo feminino gente, que não é pronome, mas pode ser aplicado, em determinados casos, como sinônimo de conjunto dos habitantes de um país, ou quantidade indeterminada de pessoas.
O uso da expressão “a gente” em substituição ao pronome “nós” é uma característica da fala coloquial brasileira, segundo o gramático Sérgio Nogueira.
Porém, nessas coberturas, uma apresentadora de TV, usou tanto a expressão nas transmissões ao vivo, como se não existissem os pronomes eu, nós, eles e tampouco os substantivos os manifestantes, o povo, as pessoas.
Para não correr o risco de errar na gramática, principalmente na concordância, ou pior ainda, por falta de vocabulário, a apresentadora repetia a todo instante: “A gente vê muita gente na manifestação”. Quem é a gente que vê? Quem é essa gente na manifestação? Ninguém tem nome, adjetivo? Quem são essas pessoas?
Ou seja, banalizaram a nossa “gente”. A gente somos banais, como na música Inútil, do Ultraje a Rigor: A gente somos “inúteu”!
A TV e o rádio podem ser coloquiais. Não podem abusar da informalidade e dar ao telespectador ou ouvinte a impressão errônea de que é assim que se fala. É assim que a expressão deve ser usada, maltratada, deteriorada.
Em textos que exijam uma linguagem mais cuidada, devemos evitar a expressão “a gente”. O melhor mesmo é usar sempre o pronome “nós”, alerta o professor Sérgio Nogueira, no site do G1.
Os jornais, posso garantir, não escreveram dessa forma, porque o papel dos meios de comunicação, jornais, revistas, rádio e TV, é dar informação e ao mesmo tempo levar cultura à sociedade. Gerar conhecimento. Ensinar certo.
É como o uso indiscriminado da palavra “coisa”, também aplicada indevidamente como pronome. Um amigo do professor Sérgio Nogueira (segundo ele contou em uma entrevista) disse a ele, certa vez, que “coisa é usada para tudo e não significa nada”. Um conhecido apresentador esportivo, durante a transmissão de um jogo, perpetrou uma frase antológica: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. E tem coisa saindo para todo lado.
Na TV também andam maltratando o substantivo “bastante”. A palavra pode ser utilizada como advérbio. Suficientemente, em quantidade, intensidade ou grau adequados: Suas explicações foram bastante claras. Conseguiu correr bastante rápido. Ou ainda como sinônimo de muito: Já estou bastante atarefado, não posso assumir novos compromissos.
Porém, como o próprio radical da palavra indica, deve ser mais usada como aquilo que basta. Substantivo masculino, o que basta ou é suficiente: Os pais fazem tudo por ele, mas nunca é o bastante. Com um pouco de vocabulário é possível se evitar dizer que o trânsito está “bastante” carregado. A chuva está “bastante” forte. É bom darmos um basta a esses exageros.
Fonte: Casa da Notícia